sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Perfil do Corrupto... por Frei Betto

Uma Crônica do Frei Betto...

Neste texto do Frei Betto, publicado na Folha de S. Paulo em 15/11/2011, ele comenta e traça um perfil do corrupto, que descreve com sabedoria e muita criatividade, os vários tipos de corruptos que existem em nosso país, suas características e como eles atuam. Uma bela crônica, que vale a pena ser lida e que foi, a meu pedido, liberada para publicar neste nosso querido “O Oeste Paulista”, um dos mais antigos jornais de nossa região, e que muito nos honra...
Que todos os nossos leitores sintam, como eu senti, a delícia de se ler esta bela peça literária, que é a crônica, uma crônica do Frei Betto...

José Carlos Ramires
jc_ramires@yahoo.com.br


O Perfil do Corrupto
Copyright 2011 autorizado
Por Frei Betto, frade dominicano

Manifestações públicas em várias cidades exigem o fim do voto secreto no Congresso; o direito de o CNJ[1] investigar e punir juízes; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012; e o combate à corrupção na política.

O corrupto age movido pela ambição de dinheiro...
Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade – a mãe dos corruptos. Você conhece um notório corrupto brasileiro? Foi processado, e está na cadeia?

O corrupto não se admite como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca, peixe não belisca.
O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.

Há vários tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para extrair vantagens a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.

Sua lógica é corrupta: “Se não aproveito, outro sai no lucro em meu lugar”. Seu único temor é ser apanhado em flagrante. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais e a cara na TV.

O corrupto não tem escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-no com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua... É o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor sabe ler nas entrelinhas.

O corrupto “franciscano” pratica o toma lá, dá cá. Seu lema: “quem não chora, não mama”. Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção.
O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o pasto de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira.

O corrupto cúmplice assiste ao vídeo da deputada embolsando propina escusa e ainda finge não acreditar no que vê. E a absolve para, mais tarde, ser também absolvido.
O corrupto previdente fica de olho na Copa do Mundo, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Sabe que os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, orçados em R$ 800 milhões, consumiram R$ 4 bilhões.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido.
Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra e trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos.

Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, no ano que vem, poderemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
Publicação autorizada por email em 18/11/2011 para José Carlos Ramires
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[1] Conselho Nacional de Justiça

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